Revista da Faculdade de Engenharia e Arquitetura
             Vol.3 N° 1 Out. 2001          ISSN 1517 - 7432
 
Cobertura Vegetal Urbana
Irajá Gouvêa1
Gouvêa, I. Cobertura Vegetal Urbana. Revista Assentamentos Humanos, Marília, v3, n. 1, p17-24, 2001.
 
ABSTRACT

In this work urban vegetation is considered in such a way as to understand its emergence, introduction and evolution in the occidental urban network. Through analysis of present-day planning and management of this vegetal mass, which is distributed throughout the urban area, competing and cohabiting with the constructed space, its importance will be determined in the environmental and cultural context of modern society. Environmental Conservation Units will be objectively defined to permit evaluation of its introduction at the regional and urban level. The real participation of the common citizen in this process of implantation will be evaluated in order to favor new directives and recommendations for future municipal, state and federal authorities. In this age it is man’s responsibility to participate directly in the future of his city and to seek a better quality of life for himself and his descendants.


1 Arquiteto, Prof. Mestre nas disciplinas de Projeto de Arquitetura e Arquitetura e Urbanismo Faculdade de Engenharia e Arquitetura - Unimar.
Key Words: Urban vegetation, urban environment, environmental planning, urban arborization, municipal parks and gardens, environmental conservation unit.

Palavras-Chave: Cobertura vegetal urbana, ambiente urbano, planejamento ambiental, arborização urbana, parques e jardins municipais, unidade de conservação ambiental.


Evolução da Cobertura Vegetal
A urbanização, é sem dúvida, uma tendência na vida do homem contemporâneo. O crescimento das cidades, isto é, o aumento físico da malha urbana, implica numa substituição gradativa do espaço natural pelo espaço construído. Como conseqüência, ecossistemas são destruídos, ocorrendo uma drástica redução da cobertura vegetal original. Esta substituição, se dará em maior ou menor grau nas diferentes regiões dos países, onde o interesse especulativo imobiliário se fizer presente, atuando de maneira decisiva para o crescimento desordenado do espaço urbano.
Tradicionalmente, as cidades de maneira geral, surgiram e se desenvolveram valorizando os espaços construídos (símbolo da civilização) em detrimento ao espaço natural (símbolo da barbárie). O domínio do homem sobre a natureza fica claramente explícito nas cidades como um grande espaço aberto desprovido do verde, sendo este substituído pelas construções e interferências arquitetônicas, observado apenas, em algumas vezes, nos quintais de áreas particulares. Somente a partir do início do século XVII a vegetação começa a ser introduzida no espaço público urbano com objetivos estético-culturais, traduzido pelo pensamento neoclássico (pastoril) e a posterior preocupação romântica com o sublime.

A partir da metade do século XIX, no contexto da Revolução Industrial, o pensamento positivista valorizou a arborização dos logradouros públicos, alegando como razões a melhoria da qualidade do ar e o embelezamento das cidades. A arborização geométrica e monumental espalhou-se pelas ruas e parque, praças e jardins surgiram em diferentes pontos das cidades.
No século XX, nota-se uma expansão e adensamento urbano sem precedentes, tanto em população quanto em equipamentos urbanos. O surgimento e popularização do automóvel, com o conseqüente alargamento das vias e estreitamento dos passeios, a construção de viadutos e novas vias, a instalação de redes elétricas, de telefonia, de água, de esgoto, de transporte público, incluindo o bonde, ônibus, trem e metrô, a sinalização de trânsito, a iluminação pública, o fluxo intenso de pedestres e finalmente, o crescimento horizontal e vertical das edificações, colocaram rapidamente a arborização e em geral a cobertura vegetal urbana em segundo plano.
Assim, o expoente denominado cidade, caminhou neste século, num caso extremo, a se tornar um pequeno deserto poluído de asfalto, concreto, aço e vidro, repleto de gente em trânsito, num microclima desagradável e doentio, levando cidadão comum a sofrer uma dupla expropriação: do espaço e da qualidade de vida. A cidade pública deixa de existir.
Até que ponto tal cidade ainda é ficção ou já é realidade ?
A cidade que conserva espaços públicos, preocupa-se com a qualidade de vida e com a estética do ambiente é uma utopia ?
No Brasil, um país de terceiro mundo, apresentando uma economia capitalista com distribuição perversamente desigual, torna-se essencial a efetivação de políticas e propostas visando garantir para as nossas cidades: Áreas Verdes, Parques Urbanos, Espaços Verdes, Patrimônio Cultural, Unidades de Conservação, Arborização, Praças e Jardins.
Nas cidades litorâneas, a praia e o mar ainda são grandes reservas de qualidade de vida para as cidades, apesar do crescente comprometimento ambiental pela poluição e tendências recentes a privatização das praias por hotéis, clubes, condomínios, portos, loteamentos, projetos governamentais e militares.
Nas cidades do interior, as praias de rios, lagos e lagoas sofrem mais intensamente os problemas gerados pela poluição e pela privatização.
Em ambos os casos, os Parques Urbanos revestem-se de importância especial, como alternativas de acesso aos cidadãos, como elemento de descontinuidade na distribuição da malha urbana, como reservas de vegetação e de recursos naturais, como instrumento no controle do microclima e da poluição. Reservas públicas e particulares, praças e jardins, arborização de ruas, avenidas e quintais e outras modalidades de Unidades de Conservação complementam a função dos Parques Urbanos.
O papel do Poder Público Municipal é fundamental para garantir a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Unidades de Conservação são em geral, bens públicos planejados, implantados, gerenciados e mantidos de maneira direta e constante através de uma ação permanente.

Conceituação para Unidades de Conservação
A cobertura vegetal pode ser entendida através dos vários componentes que a formam:
Reservas, parques, jardins botânicos e similares;
Arborização de vias, praças e margens de cursos d’água;
Cobertura vegetal de jardins e quintais de edificações;
Cobertura vegetal de áreas não edificadas e/ou não urbanizadas.


Funções que estes componentes exercem:
Estabelecer o limite e a densidade da malha urbana;
Preservar a biodiversidade e os recursos genéticos;
Compor a paisagem urbana;
Compor espaços públicos, culturais, de lazer, de recreação, de pesquisa e de educação ambiental;
Proporcionar opções de lazer com baixo custo para populações de baixa renda;
Compor mobiliários e equipamentos urbanos;
Compor marcos e referenciais de lugares;
Cumprir funções estéticas;
Proteger mananciais;
Produzir o conforto térmico do microclima;
Proporcionar áreas sombreadas;
Equilibrar a umidade do ar;
Filtrar poeira, partículas poluentes e bactérias do ar;
Barrar ventos e ruídos;
Controlar a enxurrada e inundações;
Controlar processos erosivos e assoreamentos.

Para que a cobertura vegetal cumpra as funções acima citada, melhorando com isto a qualidade de vida nas cidades, todos os componentes devem estar presentes nas quantidades, dimensões e distribuição suficientes.
Todos devem estar presentes porque são diferentes e complementares, ou seja, as arborizações não compensam os parques urbanos pois, somente estes últimos podem dispor de bosques e áreas livres com equipamentos de lazer.
Cada Município deve dispor de um sistema próprio de cobertura vegetal, adaptando-se às suas necessidades de quantidades, dimensões , distribuição e planejamento. Tal sistema deve ser dimensionado de acordo com vários aspectos condicionantes, como:
- a proporção das áreas de preservação e de recreação;
- a proporção das áreas públicas e particulares;
- a proporção da arborização em vias, praças, jardins residenciais, quintais, lotes vagos, parques, jardins botânicos, reservas biológicas e similares;
- a distribuição da cobertura vegetal na periferia e no centro da cidade com adequado balanço;
- Homogeneidade da distribuição espacial das áreas na malha urbana;
- A infra-estrutura necessária e os custos de implantação, implementação e gestão.

Cabe a gestão municipal um planejamento de intervenção para sua cobertura vegetal, associando-se ou não à proteção de outros bens naturais ou culturais, como fauna ou patrimônio arquitetônico.
Vários municípios possuem parte de seus territórios comprometida com Unidades Federais ou Estaduais de Conservação, não cabendo nestes casos uma participação efetiva da gestão municipal. Por outro lado, vários municípios possuem o que se poderia chamar de Unidades Municipais de Conservação, algumas delas não reconhecidas na classificação federal ou estadual, mas muito significativas na esfera municipal. Possuem ainda, unidades mais ligadas à conservação da qualidade ambiental da cidade que propriamente a Natureza, de extrema importância na esfera municipal e que só nela têm sentido: exemplo são as praças, as alamedas, a arborização de vias, os quarteirões fechados, os jardins , os quintais.
É de grande importância que os municípios conheçam e utilizem, quando necessário, a conceituação federal e estadual referente ao assunto, e que tomem a iniciativa de participação das gestões de Unidades de Conservação federais e estaduais em seus territórios, mas é igualmente importante que os municípios criem suas próprias Unidades de Conservação, sua normas, sua própria
linguagem e sua gestão, envolvendo diretamente a participação da população local.
Quanto aos tipos de Unidades de Conservação :

1 - Reconhecidos na literatura e legislação federal

- Área Especial de Interesse Turístico
Iniciativa Municipal
Características Unidade destinada a conservar conjuntos culturais e naturais objetivando o aproveitamento planejado para o desenvolvimento turístico

- Área de Preservação Permanente
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Destinada à preservação da cobertura vegetal situada no entorno de nascentes e olho d’água: às margens dos rios ou de qualquer curso d’água, no entorno de lagoas, lagos ou reservatórios; no cume de morros , montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45% , nas restingas, dunas e mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; nos campos naturais em altitudes superiores a 1800m
Observação É vedado qualquer tipo de uso ou alteração na vegetação

- Área de Proteção Ambiental (APA)
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade com objetivo de disciplinar a ocupação humana, o uso do solo e dos recursos naturais, para evitar a degradação ambiental, envolvendo áreas públicas ou particulares com diferentes graus de ocupação e exploração

- Área de Relevante Interesse Ecológico
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada a proteger características naturais excepcionais ou espécimes raros da fauna e da flora, em área inferior a 5000 ha e com ocupação humana reduzida ou ausente.

- Estação Ecológica
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada a conservar ecossistemas naturais para atividades de pesquisa e educação ambiental
Observação Os possíveis impactos provocados pelas atividades não podem exceder a 10% da área da Estação

- Estrada ou Via Parque
Iniciativa Municipal
Características Parque linear que inclui a totalidade ou parte de estradas, ruas , avenidas, alamedas, rodovias ou ferrovias com valor panorâmico, cultural e recreativo.
Observação A unidade deve incluir as terras, passeios, calçamento, fachadas de edificações e arborização de ambos os lados da via, protegendo a integridade panorâmica e paisagística.

- Floresta
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Área florestada ou destinada a sê-lo, objetivando a exploração racional dos recursos florestais
Observação Pode ser utilizada para fins recreativos


- Monumento Cultural
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Sítio ou área com características arqueológicas, históricas ou culturais de interesse, que se quer proteger ou preservar, permitindo o uso educativo, recreativo e científico
Observação Unidade instituída em área pública ou privada

- Monumento Natural
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada a conservar uma ou mais características naturais importantes de significado nacional, permitindo a recreação, a educação ambiental e a investigação científica.
Observação Área de domínio público

- Parque Federal ou Estadual
Iniciativa Federal / Estadual
Características Unidade destinada a conservação de característica naturais e culturais e ao uso público educativo e recreativo
Observação O poder municipal pode participar da gestão da unidade através de convênios


- Parque Municipal
Iniciativa Municipal
Características Unidade com objetivos idênticos aos da anterior, mas criada em área pública municipal, que a administra e a mantém

- Reserva Biológica
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada a preservar ecossistemas ou populações de espécies de importância científica.
Observação O uso público para recreação não é permitido e a visitação, exclusivamente para fins educativos, deve ser rigidamente limitada e monitorada.
Podem existir reservas biológicas particulares

- Reserva Ecológica
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada a proteção ambiental e à realização de pesquisas ecológicas e atividades de educação ambiental
Observação Pode ser mantida por instituições públicas ou particulares

- Reserva Florestal
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Área de floresta mantida em seu estado natural, contendo eventualmente áreas reflorestadas, com baixa ou nenhuma ocupação humana, sem exploração ou com extrativismo auto-sustentável
Observação Pode ser mantida por iniciativa privada

- Reserva de Recursos
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Área em estado natural com recursos importantes, sem ocupação humana e sem programa de utilização, protegida pela legislação para evitar a degradação e o uso irracional dos recursos

- Rio Cênico
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Parque linear que inclui a totalidade ou parte e um rio, incluindo o leito e as terras adjacentes. Destina-se a conservar a integridade paisagística e panorâmica, às margens

- Santuário ou Refúgio de vida silvestre
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Unidade destinada à proteção de espécies ou populações da fauna migratória, residente ou endêmica, ou biótipos únicos. Admitem limitado uso científico, educativo e recreativo
Observação Pode ser composta por terras públicas ou particulares

- Terras Indígenas
Iniciativa Federal / Estadual / Municipal
Características Áreas destinas a preservação de grupos indígenas, cuja responsabilidade de demarcação do solo é da União
Observação São distribuídos em modalidades: Área, reserva, parque ou colônia

2 - Não reconhecidos pela literatura e legislação federal

- Horto florestal
Iniciativa Municipal
Características Unidade pertencente ao poder público destinada a estudar e multiplicar espécimes nativos e exóticos da flora, destinados a projetos de arborização, florestamento, aflorestamento, ajardinamento e restauração ambiental.
Observação Deve possuir herbário, estufa, áreas apropriadas para a reprodução vegetal e infra-estrutura para pesquisa de novas técnicas

- Jardim Botânico
Iniciativa Municipal
Características Área destinada ao cultivo e exposição de espécimes da flora nativa e exótica, com o objetivo de preservar o patrimônio genético, permitir investigação e pesquisa e proporcionar educação ambiental e recreação.
Observação Comporta museus, salas de exposições, orquidários, laboratórios, herbários e outros equipamentos desde que adequadamente dispostos

- Jardim Zoológico
Iniciativa Municipal
Características Área destinada a criação de animais nativos e exóticos em regime de confinamento ou, preferencialmente, semi-confinamento, objetivando preservar o patrimônio genético, permitir a pesquisa e a investigação científica e proporcionar educação ambiental, recreação e lazer
Observação Devem ser licenciados junto ao poder público federal


- Praça, Largo, Quarteirão fechado
Iniciativa Municipal
Características Áreas de pequenas proporções, localizadas em pontos de convergência, ao longo, à margem ou ao final de vias, totalmente abertas ao público, exclusivamente para o trânsito de pedestres.

- Via arborizada
Iniciativa Municipal
Características Unidade utilizada no planejamento da arborização urbana para indicar ruas, avenidas, estradas, rodovias e ferrovias com arborização linear

Por último, e não menos importante, estão os estoques de terras não urbanizadas, que não sendo unidades de conservação, devem ser objetos de monitoramento e controle por parte do poder público municipal. Alguns estoques possuem vegetação e outros recursos de relevante valor ambiental para os municípios.
É bom notar que alguns referenciais para a implantação de Unidades de Conservação são em grande parte excludentes no que se refere ao uso ou presença do ser humano no ambiente, o que demonstra que partem do princípio de que o ser humano é por definição, desagregador e destrutivo. Mas, não poderia o ser humano usufruir sem desagregar e sem destruir?
Idéias mais modernas sobre essa questão demonstram que não é uma boa estratégia preservar áreas cercadas sem serem utilizadas e desfrutadas pelo homem. São mais viáveis hoje as Unidades acessíveis e que dão algum retorno mais direto ao cidadão em termos de melhoria da qualidade de vida, gerando assim, um sentimento mais favorável a conservação.


Este trabalho apresentou referências históricas, conceituais e metodológicas básicas relativas à cobertura vegetal urbana. Sua importância, utilidade prática e forma de gestão foram contempladas, buscando ser útil àqueles que trabalham com ou sem interesse no assunto.
Mas, mais do que somente uma questão de benefícios ambientais, à cobertura vegetal urbana é revestida de valores estéticos, culturais, históricos e paisagísticos, constituindo memórias e marcos da cidade, cuja importância para o cidadão não pode ser reduzida à simples quantificação ou contabilização normalmente expressas nos manuais técnicos.
O planejamento técnico com base científica hoje viabiliza, preserva ou elimina a cobertura vegetal urbana, mas é a sensibilidade humana que a constitui ou destitui de sentido e de valor.


Bibliografia

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