Revista da Faculdade de Engenharia e Arquitetura
             Vol.3 N° 1 Out. 2001          ISSN 1517 - 7432
 
Entrevista com Roberto J. Goulart Tibau, pioneiro da arquitetura escolar pública no Estado de
São Paulo
Carlos Augusto Razaboni1

Razaboni, C. A. Entrevista com Roberto J. Goulart Tibau, Pioneiro da Arquitetura Escolar Pública no Estado de São Paulo. Revista Assentamentos Humanos, Marília, v3, n. 1, p33-38, 2001.

 
ABSTRACT

This interview shows the considerations of architect Roberto J. Goulart Tibau in the present-day production of architecture in São Paulo State. The institutions responsible for the design and construction of schools have been substituted since the decade of the 50’s, but Tibau persisted like a bridge between the succeeding generations of architects in the project of public schools.

Key Words: school architecture, standardized components, project management.

Palavras-Chave: arquitetura escolar; componentes padronizados; gerenciamento de projetos.


1 Mestrando pela Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de Londrina e professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Unimar.


Introdução

O arquiteto Roberto J. Goulart Tibau, pioneiro na arquitetura escolar no Estado de São Paulo atua neste setor desde o convênio escolar entre o estado e a prefeitura de São Paulo. Os órgãos responsáveis pelo projeto e construção de escolas foram sendo substituídos desde a década de 50, porém Tibau permaneceu como ponte entre as gerações de arquitetos que se sucederam no projeto de escolas públicas. Como pudemos ver em nosso trabalho de mestrado ele ainda está atuante e sua arquitetura reflete tanto a sintonia com o tema como com a própria evolução da arquitetura. Seu projeto dá sinal de efetiva contemporaneidade na linguagem arquitetônica, revelando que sua verve permanece com muita energia sendo um exemplo para a inspiração dos arquitetos jovens e em formação. Nossa conversa foi uma aula que sintetizou a produção de arquitetura escolar do estado em mais de meio século. Produção essa na qual ele tomou parte em posição de prestígio, renovando sempre o desafio do projeto da escola pública.

 
     
 


EMEF Pref. José Carlos de Figueiredo Ferraz. Plano Ano1 do Banco Mundial. FDE - Fundação para o Desenvolvimento da Educação.

Projeto arquitetônico de Roberto J. Goulart Tibau. Consolidada opção de arquitetura para escolas, aliada a uma linguagem contemporânea revelada pelos ícones utilizados. A composição plástica harmoniosa é composta por volumes bem proporcionados. As paisagens de fundo dos desenhos são aleatórias.

Entrevista com Roberto J. Goulart Tibau

1 – Convênio Escolar
O convênio escolar não tinha toda essa estrutura da FDE, mas o convênio tinha toda uma programação que foi muito bem colocada pelo Hélio Duarte e dava um bom grau de liberdade para os arquitetos projetarem, mas o Hélio procurava controlar o aspecto econômico do projeto. Nesse sentido, inclusive, ele tinha alguns atritos com os arquitetos que não concordavam muito com essas coisas. Porque o Hélio, talvez até levasse arquitetura por um lado muito econômico. Você pega os projetos dele, são de uma simplicidade, uma coisa bastante despretensiosa. São escolas que tem uma implantação muito bonita, tem espaços interessantes mas são bem singelas em termos de construção. Despretensiosas. Mas em compensação você vê um cara como o Corona por exemplo, já dá uma arquitetura mais interessante mas totalmente diferente no espírito. Mas o convênio escolar não durou muito tempo, depois passou a ser já um órgão da prefeitura. Quando ele foi criado ele era uma coisa independente onde podia-se trabalhar melhor. Eu trabalhei muitos anos lá no tempo do Hélio sem nunca ter visto um processo. Eu recebia um terreno, o programa da escola, conversava, ia visitar o terreno, comentava o programa e já partia para o projeto. Então papelada, burocracia não existia. Estar respondendo processo, estar atendendo coisas. Não tinha nada disso e era muito bom viu? Um ambiente de trabalho muito bom. Depois da saída do Hélio, saiu o Corona, o Osvaldo Gonçalves, o Mange. Só eu fiquei.
Então teve uma época em que eu estava sozinho no convênio. Depois começaram a entrar outros arquitetos, formados ao mesmo tempo: o Aluísio Rocha Leão, o Arruda, o Pitombo. Então fui eu que estabeleci uma espécie de ponte entre o convênio original e a turma nova que ia entrando.

2 – Fundação para o Desenvolvimento da Educação

( Pergunta )
Vamos falar do órgão FDE, que já foi CONESP, que já foi Departamento de Obras, essa cultura do projeto de escolas desde o convênio escolar e como é que ela se desenvolve? Existe realmente uma cultura , porque a sensação que a gente tem com todos aqueles manuais da FDE é que estão se empilhando anos de elaboração.

( Resposta )
É mas estão mesmo, eu acho que é um trabalho muito importante, mas também eles tiveram muita dificuldade. Tiveram épocas, muito a contragosto, e até hoje, de usar projetos padrão, para colocar em terrenos onde é possível colocar o padrão, embora que a escola até certo ponto, como o programa é repetitivo, o programa sendo repetitivo o padrão é perfeitamente razoável, não é? Eu acho que não seria, se houvesse essa possibilidade de se estudar a escola com liberdade não é? Pensar a escola como uma coisa mais inovadora. Em termos de atividade mesmo, otimização dos espaços. Porque a própria escola do jeito que ela funciona aqui, ela é muito mecânica, movimentação. Vai pra lá, vem pra cá, eu creio. Cada espaço tem um uso perfeitamente estabelecido. O que não pode é sair muito daquilo. Agora eu acho, eu sou um admirador do trabalho do pessoal da CONESP em termos de pegar uma experiência que vinha do passado, aproveitar até certo ponto aquela experiência e colocar por exemplo a questão da modulação dos ambientes permitindo todo um esquema que permite a eles um controle melhor dos projetos. Um órgão que está projetando escolas para serem feitas por tudo que é canto, em grande quantidade, o problema da quantidade pesa muito, então esse órgão tem por obrigação ter um controle dos projetos. Ele não pode deixar o projeto como uma coisa totalmente liberada. E eu acho que eles tem um trabalho muito importante nesse sentido, e que se caracterizam certas fases, em que eles foram mais para o lado do projeto padrão mesmo, conceitos sobre como fazer projetos padronizados, assim de maneira que você possa fazer a implantação do padrão. A idéia essencial do componente que ainda não está industrializado mas está normalizado. Isso aí eles desenvolveram muito bem. Eu acho que eles fizeram um trabalho pioneiro nesse sentido. No convênio a gente não tinha um trabalho elaborado dessa forma.

3 – Projeto Padrão
Eles tiveram um trabalho muito bom a nível de planejamento, distribuição das escolas, da rede escolar e eu acho que eles tiveram também experiência em fazer padrões mais flexíveis que possam ser adaptados a várias situações.
Se o terreno permite o uso de um padrão, então eles fazem a implantação, mas aí, não é jogar de qualquer jeito, eles contratam um profissional para estudar a implantação, fazer um trabalho interessante, porque, aí, a implantação se torna muito importante. No caso de projetos que não são padrão, a implantação está vinculada à própria concepção do projeto, não se destaca tanto. Mas no caso do projeto padrão, ela adquire uma importância muito grande, a maneira como esses blocos são colocados no terreno, a topografia, orientação, acessos, uma volumetria interessante que se possa conseguir, não é? Uma série de coisas que são características dessa problemática do projeto padrão. Mas eles também tiveram que enfrentar épocas em que a administração, lá da cúpula, queria o padrão, padrão mesmo, pá, pá, pá, pá. Só vai tocando aquilo né? De qualquer jeito aí.


4 – Liberdade Projetual

Fizeram experiências nesse sentido de deixar uma possibilidade de liberdade maior de projeto, mas sem perder o controle dimensional da obra. Você não pode deixar livre, tem que estar dentro de uma proporção determinada , não é? Então eu acho que esse sistema modular é importante porque ele permite um controle mais rígido dos protótipos dos vários ambientes que já estão detalhados, permite um detalhamento mais aprofundado de detalhes padrão, aqueles volumes. Você vai fazer um projeto da FDE, você tem mais trabalho é de ficar folheando aquelas folhas e ficar procurando o que compõe. É diferente de quando você está projetando com liberdade, aí a cozinha surge com o projeto. Ali não, a cozinha tem que ter exatamente aquelas medidas, porque aquelas bancadas já estão todas detalhadas, né? E por outro lado, eles tem também a barra da parte construtiva porque eles fazem uma seleção de materiais, eles já tem toda uma especificação padronizada. O próprio orçamento é padronizado, as fichas tudo. Então se você quiser usar um material novo você até pode, mas você tem que justificar muito bem o uso desse material porque ele vai trazer depois uma complicação no setor de orçamento, porque não tem como saber o preço daquele material. Sabe é um negócio muito organizado assim. E no Plano Ano 1 eles permitiram essa abertura.

5 – Licitações
Agora o que está surgindo é o seguinte com esse processo de licitação. Se você apresenta determinada escola e aparece 3 ou 4 projetos muito bons e um deles vai ser construído, às vezes não é o melhor porque entra junto proposta orçamentária, não sei que mais, pois é uma fórmula complicada, mas isso é uma coisa que eles conseguiram porque de qualquer forma é importante porque eles continuam podendo manter um certo controle dos projetos. Então isso permite manter um nível de projeto bom e um controle da parte deles porque essas propostas são avaliadas segundo critérios do FDE. Então pode ser um projeto muito bom mas se de repente ele é um projeto muito espaçoso, que ocupa muita área que encarece por isso ou por aquilo, já está fora do critério. Eu acho importante ter critérios definidos para avaliação de projetos.
Mas o que eu estava dizendo é que atualmente está se pensando um modo de se criar uma espécie de arquivo de projetos interessantes que eventualmente possam ser utilizados em certas situações.
Pagariam para fazer a implantação do projeto. Mas talvez seja meio complicado. Eles é que poderão ver como é que uma coisa dessas vai... mas que dá vontade de aproveitar um projeto desses dá, porque são idéias interessantes que existem ali. Se não dá para usar o projeto para aquela escola, que se possa usar mais adiante. Porque tem esse inconveniente, não é? Eles não podem pagar como se fosse um concurso fechado em que cada concorrente que é convidado recebe um pagamento, um pró – labore. Então o cara acaba fazendo de graça o que do ponto de vista profissional, ético, é um negócio meio, não é? É um concurso aberto, só que não é bem um concurso também. Eu não sei, não é um concurso de projeto. É uma concorrência.
Sempre o menor preço vai influir também. Então por mais que a gente faça, a gente quando escolhe a melhor proposta técnica, nunca tem assim uma certeza de que aquele realmente vai ser o escolhido, que o projeto vai ser executado, se de repente no cálculo final da média das coisas, ele possa ficar prejudicado, embora tenha um peso maior a proposta técnica, tudo isso, mas eu digo por exemplo na prefeitura onde não foram tomados esses cuidados não foi introduzido esse critério da pontuação técnica. Ali é o menor preço. Os projetos teriam que ser julgados pelo menor preço.
De acordo com a lei, toda licitação é assim. Então, currículo também é uma coisa difícil de analisar. São currículos muito diferentes, muito díspares e tem que dar uma chance para o pessoal novo também, não é?

6 – Qualidade
Enfim, eu acho que foi um passo que foi dado para a frente, na FDE, mas que ainda, porque na prefeitura por exemplo a gente sabe que isso ainda não foi feito, o nível de projeto ficou uma coisa lamentável a prefeitura faz até umas escolinhas boas bem projetadas, o pessoal lá é equipadíssimo, tem bons arquitetos trabalhando lá. Mas os projetos que eles fazem na base de licitação são terríveis. Projetos muito mal detalhados, depois o construtor acaba tendo que refazer tudo aquilo. E você vai ver lá entre os concorrentes, se quiser pegar um projeto de escola a grande maioria não é de arquitetos. São firmas de engenharia, eventualmente até algumas possuem algum funcionário arquiteto, mas onde o projeto fica uma coisa muito secundária. E também não tem todo esse nível de exigência em termos de apresentação do trabalho, elaboração material do projeto, porque a FDE tem inclusive isso tudo programado, elas tem toda uma linguagem estabelecida. Eu acho importante isso aí viu? Amarrar essas coisas, como se indica. Eles fazem todas as indicações necessárias na planta para que o cara possa construir direitinho não é? E o projeto fica um negócio fácil de você ver, todas as referências, que permitem a eles exigir do profissional que o projeto esteja dentro daquelas normas de execução. Então é o detalhe padronizado, é a padronização gráfica de apresentação de informação, e
é o programa padronizado. Aí é que eu acho que podia ter uma certa abertura. Assim como a gente fez esse palquinho na nossa escola, no Plano Ano 1, porque a imaginação do arquiteto tem mais liberdade de propor certas coisas, mas não sei muito bem como fazer isso, porque tem que ter um controle orçamentário muito grande.

7 – Fiscalização
Acho que deveria haver mais incentivo para que os arquitetos comparecessem à obra. Porque todo arquiteto gosta de acompanhar seu projeto. Porque também é uma questão de sistemática do trabalho, lá realmente tem que ser uma coisa: o projeto está aqui, tá aqui, não se mexe mais uma vírgula, vai até o fim. Não pode se ficar fazendo modificações no projeto. Nem o próprio arquiteto pode ficar mudando o projeto. O projeto é o projeto. Mas em compensação o arquiteto chega numa obra, se tiver um problema qualquer, só de olhar assim, não precisa nem olhar a planta, ela já detecta que aquilo está errado, está mal feito, os cara não estão entendendo o projeto. Ele percebe que não está havendo previsão de certas coisas, eu acho que é sempre bom o acompanhamento para ver se a obra está seguindo o projeto corretamente. Não é? Ou se, realmente surgiu um problema que precisa de uma solução é necessário que o arquiteto esteja ali para resolver junto com os técnicos e tal e dar uma solução que não comprometa o projeto.
Eu acho meio difícil de conseguir e por outro lado as escolas ficam em lugares muito retirados, difícil de o cara ir até lá. Para achar o terreno para fazer a vistoria é um pesadelo, você acha por milagre e depois você vai porque está tudo ali: os mapinhas, você vai perguntando, mas se agora de repente eu quisesse ir lá, até essa escola eu ia bater a cabeça. É difícil encontrar os terrenos e de repente você chega lá e é um ilustre desconhecido.
Entrevista concedida em 22/09/2000.

 

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