Revista da Faculdade de Ciências Odontológicas   Marília/SP, ano 2 , n°2, 1999 ISSN 1516-5639
     

ATIVIDADE INIBITÓRIA DE CIMENTOS IONOMÉRICOS CONVENCIONAIS E FOTOPOLIMERIZÁVEIS SOBRE STREPTOCOCCUS MUTANS

INHIBITORY ACTIVITYOF CONVENTIONAL AND LIGHT CURED GLASS
IONOMER CEMENTS ONSTREPTOCOCCUS MUTANS


Elerson GAETTI-JARDIM JÚNIOR*
Denise PEDRINI**
Guilherme Gabaldi PELLI***
Walter Roberto SCHILLER****


A cárie secundária representa sério problema na clínica odontológica. A restauração de dentes acometidos por cárie ou outras patologias pode criar condições favoráveis à proliferação de patógenos na superfície do material restaurador ou na interface dente/restauração, tornando o ambiente propício para o estabelecimento de cárie secundária. Desta forma, foi objetivo deste estudo avaliar a atividade antimicrobiana de cimentos de ionômero de vidro convencionais e fotopolimerizáveis e da resj,pa Z 100, utilizada como controle. Empregouse o método de difusão em agar e o meio de cultura foi o agar Mueller-Hinton acrescido de 5% de sangue desfibrinado de cavalo. As placas previamente inoculadas com 108 células de S. mutans ATCC 25175 foram incubadas a 37°C, em microaerofilia, por 48 horas, realizando-se, a seguir, a leitura dos resultados medindose o halo de inibição do crescimento bacteriano. Verificou-se que a resina composta Z 100 não apresentou atividade antimicrobiana enquanto que o cimento ionomérico Vitremer produziu os maiores halos de inibição do crescimento bacteriano.

UNITERMOS: Cárie dental; Placa bacteriana; Cimentos de ionômero de vidro.

   INTRODUÇÃO

A colonização das restaurações e de suas margens por microrganismos cariogênicos pode propiciar as condições para o estabelecimento de cárie secundária, condenando a restauração ao fracasso2,16. Esses aspectos se agravam quando a restauração está posicionada na região subgengival, ou próximo à margem gengival, onde microrganismos periodontopatogênicos poderiam comprometer a condição periodontal adjacente.
Os cimentos de ionômero de vidro vêm ganhando destaque como materiais ,para cimentação, base cavitária e como materiais restauradores em função de suas propriedades físico-químicas e biológicas. Dentre os cimentos ionoméricos restauradores, os fotopolimerizáveis apresentam, também, propriedades aprimoradas quando comparados aos ionômeros de vidro convencionais8.
De acordo com SVANBERG et al.15 (1990), a placa bacteriana que coloniza a superfície de restaurações de cimentos de ionômero de vidro apresenta um maior número de microrganismos do que a observada sobre restaurações de resina composta, embora o número de Streptococcus do grupo mutans tenha-se mostrado menor sobre esses cimentos ionoméricos, o que colaboraria para diminuir a acidogenici.dade e cariogenicidade dessa microbiota, sendo que uma possível atividade antimicrobiana desses materiais sobre S. mutans poderia ser a responsável por esse fenômeno.


Objetivo

Tendo em vista a importância dos materiais restauradores na Clínica Odontológica, o presente estudo teve o objetivo de avaliar, "in vitro", a atividade antimicrobiana de cimentos ionoméricos restauradores convencionais e fotopolimerizáveis.

   MATERIAL E MÉTODOS

Materiais restauradores

Foram utilizados os cimentos de ionômero de vidro convencionais Chelon Fil (Espe, Alemanha) e Vidrion R (SS White, Brasil), fotopolimerizáveis como Vitremer (3M, Brasil) e Fuji II LC (GC, Japão), e a resina composta Z100 (3M, Brasil), empregada como controle. Corpos-de-prova de 5 mm de diâmetro e 1 mm de espessura foram confeccionados para cada matérial, seguindo, para tanto, as recomendações dos fabricantes.


Método de análise, meio de cultura, inóculo bacteriano e leitura


Utilizou-se o método de difusão em agar. O meio de cultura empregado foi o agar Mueller Hinton acrescido de 5% de sangue desfibrinado de cavalo. A inoculação das placas com 108 células bacterianas foi realizada por intermédio de zaragatoas alginatadas 30 minutos antes da colocação dos corpos-de-prova.
As placas inoculadas e os corpos-de-prova foram incubados em dessecadores, em condições de microaerofilia pela técnica da chama de vela, a 37°C, por 48 horas. A seguir realizou-se a leitura dos resultados medindo-se o diâmetro dos halos de inibição do crescimento bacteriano, o qual foi expresso em milimetros.


Análise estatística


Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística, utilizando, para tanto, o teste de
Kruskal-Wallis.

   RESULTADOS

Verifica-se, pela Tabela 1, que os cimentos ionoméricos convencionais (Chelon Fil, Vidrion R) e o fotopolimerizável Fuji II L.C. apresentaram atividade antimiçrobiana discreta, pouco diferindo entre si. O cimento ionomérico Vitremer apresentou notável atividade antimicrobiana quando comparado aos demais. A resina composta Z 100 não apresentou qualquer efeito inibitório sobre a copa de S. mutans testada.

TABELA 1 -Atividade antimicrobiana de cimentos ionoméricos convencionais e fotopolimerizáveis e da resina Z100 sobre S. mutans ATCC 25175.
Material restaurador
Diâmetro médio dos halos de
inibição do crescimento (mm)
Chelon Fil
Vidrion R.
Vitremer
Fuji II L.C.
Z 100
8,5
8,5
23,0
7,0
0,0

 

   DISCUSSÃO

Embora o emprego clínico dos cimentos iondméricos tenha-se ampliado em função de suas propriedades, como o poder anticariogênico e adesão aos tecidos dentais6,20, esses materiais também apresentam características precárias, como a maior rugosidade superficial, quando comparadas às resinas compostas, o que permite maior retenção de placa bacteriana5,13, podendo agravar as condições dos tecidos periodontais adjacentes.
Neste aspecto, o conteúdo resinoso presente nos cimentos ionoméricos fotopolimerizáveis e na resina composta, contribuindo para aprimorar as características superficiais dos materiais, pode diminuir a retenção de placa, prevenindo alterações periodontais.
Os cimentos ionoméricos podem atuar na prevenção da cárie secundária aumentando a resistência do esmalte à desmineralização e facilitando a reincorporação do mineral perdido, bem como interferindo no crescimento de microrganismos cariogênicos, como sugerem BERG et al.1 ( 1990) e GARIB et al.7(1993).
Dentre os cimentos ionoméricos fotopolimerizáveis, o Vitremer mostrou os melhores resultados produzindo halos de inibição muito superiores aos observados para os demais materiais. Nesse sentido, a seleção de uma microbiota menos cariogênica sobre os cimentos ionoméricos, como demonstrado por TOBIAS et al. (1985)17, pode refletir o efeito do flúor liberado por esses materiais3, o que demonstra que o conteúdo resinoso de ionômeros fotopolimerizáveis não interfere sobremaneira na liberação desses íons, o que está de acordo com a literatura4,18.
Os níveis de liberação de flúor por cimentos ionoméricos decresce substancialmente com o tempo6.19.20, de forma que o efeito desses materiais sobre a microbiota varia de intensidade ao longo do tempo. Contudo, mesmo em concentrações subinibitórias, o flúor é capaz de exercer notáveis efeitos sobre a acidogenicidade e a capacidade de adesão de Streptococcus do grupo mutans, deprimindo-as10,14, 0 que pode ser clinicamente significativo, como coloca BERG et al.1 ( 1990).
Embora os cimentos ionoméricos convencionais tenham mostrado atividade antimicrobiana, FORSS et al. ( 1991 )5 demostraram que a atividade antimicrobiana desses materiais, associada à liberação de flúor, não era capaz de compensar a maior retenção de microrganismos, em função de sua maior rugosidade superficial, quando comparados a resinas híbridas, como a Z 100.
Contudo, visto que o flúor liberado por esses materiais pode afetar de diferentes formas o metabolismo bacteriano, deprimindo a formação de polissacarídeos intracelulares em Streptococcus do grupo mutans21, inibindo vias metabólicas, especialmente a glicólise, reduzindo a adsorção desses microrganismos à hidroxiapatita recoberta por saliva, inibindo a colonização dos tecidos dentais11,12 afetando a atividade da membrana citoplasmática bacterianag, estudos "in vivo" terão de ser realizados para confirmar ou não a influência desses fenômenos sobre a colonização da interface dente / restauração por S. mutans.
Assim, um melhor conhecimento das interações dos diferentes materiais restauradores com a microbiota do hospedeiro é fundamental para a escolha de materiais que minimizem a problemática da cárie secundária, colaborando para o restabelecimento do equilíbrio dessa microbiota, que constitui uma das bases da manutenção da saúde bucal.

   CONCLUSÕES

O presente estudo, após ser analisado e discutido nos permite concluir que:
1. Dos cimentos ionoméricos testados, apenas o
Vitremer apresentou atividade antimicrobiana significaxiva;
2. O conteúdo resinoso do cimento de ionômero de vidro Vitremer não afeta a capacidade do material restaurador em inibir o crescimento bacteriano;
3. A resina composta Z 100 não apresentou atividade antimicrobiana;
4. Os cimentos ionoméricos Fuji II.L.C, Chelon Fil e Vidrion R. mostraram ape- nas discreta atividade antimicrobiana.


The secondary caries represent health problems in Dentistry. The restoration of teeth can produce conditions to proliferation of microorganisms in the marginal gap and on the surface of the restorative material, which could lead to favorable conditions to secondary caries. Thus, this study aims at evaluating the inhibitory activity of conventional and light cured restorative glass ionomer cements and composite Z 100 on Streptococcus mutans ATCC-25175. It was used an agar difusion method, and the culture medium was Mueller-Hinton agar supplemented with 5% of defibrinated horse blood. The plates, previously innoculated with 108 cells of S. mutans ATCC-25175, were incubated at 37°C, in candle jars, for 48 hours. The results were obtained by measuring the halos of bacterial growth inhibition. It was verified that Z100 was not able to inhibit the bacterial strain, while Vitremer produced the highest halo of inhibition of bacterial growth.

UNITERMS: Dental caries; Dental plaque; Glass ionomer cements.

   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Assistente Doutor da Faculdade de Odontologia da UNESP, Araçatuba - SP, Brasil. ** Professora Assistente da Faculdade de Odontologia da UNESP, Araçaqtuba - SP, Brasil.
*** Aluno de graduação da Faculdade de Ciências Odontológicas e Prótese da UNIMAr, Marília - SP, Brasil.
**** Professor da Faculdade de Ciências Odontológicas da UNIMAR. Endereço para correspondência: R. José Bonifácio 1193, Vila Mendonça. CEP 16015-050, Araçatuba - SP, Brasil. Tel (018) 624-5555 r 409.

 

     
 

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